Costumamos pensar o ambiente do shopping e o da rua como opostos. O primeiro seria controlado, asséptico, calmo e objetivo. Já o segundo concentra estímulos incongruentes. Além de imprevisível, é acelerado. Tensionar a relação entre esses dois espaços, o público e o privado, é uma das grandes forças de Dobra Pública. Vindo de uma tradição de painéis bidimensionais e objetos tridimensionais, com trabalhos ora mais contidos, ora mais rebeldes, o MUDA apresenta no ArtWall uma obra mais leve, esvaziada do peso do suporte.


Estruturalmente, sentimos a rigidez da geometria e a permanência da cerâmica. Porém, essa forma-base conduz a um deslizamento do trabalho sobre si mesmo, abrindo caminhos para a maleabilidade e a descoberta. A obra faz um convite ao movimento do visitante, o qual, por sua vez, confere instabilidade à obra. O azulejo não é revestimento, mas expressão em si mesmo, e o mecanismo da dobradiça é metáfora, é a historicidade e a propria concretude do trabalho. Algo da natureza da dobradiça está em gerar duas partes que olham para lados diferentes, mas sem que elas deixem de ser um inteiro. Aqui, o todo é feito de um sistema de partes que funcionam e existem autônomas. Essa dinâmica, que tambémé a da rua, essência do MUDA, é reforçada pelo gesto da dobra. Afinal, a dobradiça não seria também uma espécie de esquina?



Essas novas dimensões do trabalho do Coletivo refletem transições entre espaços abertos e fechados. O movimento do transeunte que vem da rua para o shopping e depois volta para a rua está na própria obra. Entre a identificação e desidentificação, e em meio à leveza, uma figura específica é evocada, a do artista-operário. Na obra final, ela se faz mais visível nos aparafusamentos, mas perpassa toda a artesanalidade do processo de criação do MUDA, que reúne o intelecto e, não menos, as dimensões braçal e industrial. Igualmente, elas constroem o conceito e a poética do trabalho. Por fim, a paleta de cores é elaborada para fazer uma parceria com a luz, em todas as suas variações ao longo do dia. Ou seja, tanto a iluminação natural, quanto a artificial, que incidem sobre o ArtWall, são ferramentas para o grupo, como o foi muitas vezes para a Arte Cinética, por exemplo. Ao mesmo tempo, podemos encontrar outras tantas referências e diálogos estabelecidos por essa obra. Sobretudo, com a tradição artística que enfrentou as normas clássicas e resistiu às categorias. Essa força inclassificável está na própria formação do Coletivo MUDA e em sua história: ao longo de uma década e meia, os cinco artistas, que são designers ou arquitetos de formação, vêm afrouxando as fronteiras entre grafite, design, arquitetura, galeria, rua e, agora, shopping.



