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PAISAGEM SEM DONO

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Christiane Laclau

Fundadora da Artmotiv


No século XII, pintores chineses desenvolveram um pensamento sobre a pintura de paisagens. Eles diziam que a paisagem sempre esteve lá e é igual para todos, mas cada um a pintará à sua própria maneira. Portanto, a paisagem seria um dos motivos mais desafiadores para um pintor e a pintura de paisagem, uma das expressões mais subjetivas e reveladoras do olhar de um artista. Nesse sentido, a arte de Geraldo Marcolini aceita o desafio e se apresenta renovadora.

Ao contrário de boa parte da produção contemporânea de pintura, interessada em mostrar, lembrar e definir, a pesquisa materializada nas obras de Marcolini se inicia pelo que não está lá: suas paisagens mostram pouco sobre si.  Não há elementos aparentes à primeira vista. Não há nem mesmo cores ou a ação dramática do tempo sobre o relevo. Marcolini pinta o mínimo possível. O atemporal.

Suas obras perguntam: o que é uma paisagem? Seria tudo o que enquadramos? É a captura que faz nascer a paisagem ou ela tem uma existência autônoma? Como nos sentimos quando nós, humanos, somos dispensáveis à paisagem? Marcolini alcança um feito complexo: seu trabalho carrega a força do silêncio e da solidão, sem que automaticamente expresse tristeza. Um caminho alternativo ao sublime e à tradição romântica do confronto entre a natureza e a cultura. Há melancolia e paz. A natureza segue seu curso, livre. Marcolini pinta a sensação de não pertencimento humano ao universo. Parece dizer o artista: o acontecimento é a própria pintura. Seria essa a parte que cabe ao humano no planeta.

Ao estudar Artes Gráficas em Nova Iorque, nos anos 1990, Geraldo Marcolini aprofundou seu interesse pela xilogravura que, com suas típicas monocromias, tinha uma crueza que lhe interessava. A partir daí, trabalhou uma pintura que evoca a xilo, como notamos no cromatismo austero da série Transmission e nas linhas verticais que dão às imagens um aspecto reticulado, de baixa resolução, provocando certa sensação de insegurança. Como uma imagem tão exposta em seus referentes – rios, vegetações, montanhas, árvores –, pode nos causar tamanha incerteza? O pintor abre mão da precisão de detalhe e busca o inverso: mesmo na imagem que parece totalmente entregue, paira o mistério. Algo da ordem do oculto, que nos leva para um terreno filosófico e metafísico, é uma das forças da obra de Geraldo Marcolini: a recusa de elementos que estimulem narrativas faz de suas paisagens poderosas provocadoras de perguntas e sensações. Nenhuma informação preponderante orienta a interpretação das imagens: são paisagens sem dono. 

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Comprometido com seu processo, recentemente, o artista questionou seus pressupostos e, sem sair de seu campo de pesquisa, pelo contrário, alargou o debate que salta de sua produção. Da série anterior, realizada ao longo de mais de uma década, permanecem a paisagem, o atemporal e a ausência de indícios narrativos. Mas a pergunta sobre o olhar e sua relação com o espaço se adensa: entram cores e pinceladas mais expressivas, menos contidas. Ficamos diante de um novo enquadramento, que recorta detalhes de paisagem, colocando-nos muito próximos das águas e da vegetação. As pinceladas se sobrepõem, soam ligeiramente perturbadas. O reflexo das plantas na água já é uma outra coisa, não equivale à perfeição ao seu referente. São detalhes de imagens que se duplicam e, ao mesmo tempo, não reconhecem a si mesmas.

 Se Transmission evoca um espaço-tempo indeterminado, nas pinturas mais recentes há um tempo mais próprio daquele espaço. O novo enquadramento e as cores nos colocam frente a frente com aquele momento específico na vida dos elementos naturais. Existe um “agora”. É interessante como o recorte, a distância e as cores podem alterar a noção do tempo. Há um movimento, evocado pelas cores e texturas das pinceladas, que faz o tempo da série atual parecer mais vivo, em operação naquele exato instante.  

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Em ambas as séries a natureza surge, e o seu tempo, mais próximo ou distante, acontece. É como se nada ocorresse, mas um nada que difere totalmente da ideia de vazio, revelando mais um aspecto de interesse na obra de Geraldo Marcolini: ela não expressa harmonia entre humanidade e natureza, tampouco a agressão do homem contra a natureza. É a natureza consigo mesma. O tempo consigo mesmo. Descentramento absoluto em relação à figura humana ou animal como protagonista da cena. Exceto, é claro, como diziam os antigos pintores chineses, pelo olhar do artista sobre aquilo que, talvez de forma precária, chamamos de espaço, natureza e, resistente a qualquer dono, paisagem.

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