Com uma espécie de nuvem parda ou, talvez, uma corrente dourada, memória fixada do voo, Vitor Mizael reúne a linguagem da instalação com a artesania e a ilustração científica, lançando-nos a outro lugar: sua Revoada. O ponto de partida são acervos museológicos da fauna brasileira, mas sua investigação não é científica, não há representações perfeitas dos pássaros – eles serviram como referência para a criação colaborativa com bordadeiras da periferia da cidade de São Paulo, onde vive o artista.



Surgiram aves em trançados de fios de lã, cordões, sisal e algodão. A liberdade nas proporções indica que a ciência, na arte de Mizael, não é documento, mas uma via para a imaginação e a poesia. Os pássaros singulares estão aplicados a cestos e peneiras criados por povos indígenas do estado do Pará. Material universal e, ao mesmo tempo, brasileiro, a palha está presente nas culturas indígenas e em rituais de fé, como os da Umbanda. Para Mizael, o modo de trançar a palha é uma herança técnica dos povos originários. Sua obra busca recuperar tal historicidade, acrescentando a essa memória a experimentação, o improviso, o imprevisto.


Os tons da palha, com suas variações de dourado, associados ao colorido vivo dos bordados, oferecem uma experiência visual rara e bela. Vitor Mizael convoca a memória dessa matéria orgânica e oferece a ela – e a nós – algo além de sua função original, de forma que a homenagem à simbologia de elementos da identidade brasileira não exclui a abertura a novas sensibilidades e projeções. Revoada flutua, inserindo-se, mas subvertendo, colocando-se nesse entre-lugar lúdico e mágico.
