Espelhos de segurança são feitos para que se amplie o campo de visão do observador. Possuem uma função prática, uma vez que sua forma convexa permite a visão de um maior número de ângulos, facilitando a vigilância em estabelecimentos comerciais, e evitando manobras mal feitas em garagens estreitas.
Entretanto, o artista Gustavo Prado, atualmente radicado em Nova York, utiliza tais equipamentos de maneira muito diversa, retirando-os do universo das atividades coloquiais e utilitárias para examiná-los a partir de uma perspectiva artística. Dividindo suas formas circulares e abauladas em semicírculos, quadrantes e sectores, Prado cobre parcialmente suas superfícies com tinta, alternando áreas de azul e prata com outras espelhadas, e as superpõe sobre outros círculos semelhantes, desta vez pintados sobre a parede plana.
Neste momento, as características pragmáticas destes curiosos espelhos arredondados cessam, e qualidades até então secundárias ganham importância: a pureza geométrica de sua figura; a divertida distorção da visão do mundo que proporciona ao observador; a sua condição escultórica. Tais espelhos, somados às imagens planas executadas diretamente na parede, estabelecem um jogo dinâmico que contrapõe bidimensionalidade e tridimensionalidade; áreas espelhadas e áreas pintadas; formas circulares e fatias angulosas, recortadas em seu interior.
Gustavo Prado nos traz neste vasto painel, enfim, um aspecto muito enraizado na arte brasileira, que é o desejo de ordem presente na tradição concreta e neoconcreta, para reinterpretá-lo à luz de um objeto utilitário do mundo real, o espelho de segurança. Desta forma, faz com que convivam ali elementos opostos e aparentemente inconciliáveis, como a pintura e a escultura; a abstração e o readymade; a imagem pura e estática da arte e as imagens refletidas da multidão caótica de pessoas em trânsito – essa multidão que desfila em frente à obra, sempre apressada e mutável, em seu ir e vir incessante.
