EXPOSIÇÃO:

COMEÇAMOS BRINCANDO E, DE REPENTE, TUDO VIROU VERDADE

ARTISTA(S):

DATA:

LOCAL:

CURADORIA:

Picture of Christiane Laclau

Christiane Laclau

Fundadora da Artmotiv

Quando criança, Heberth Sobral brincava com bonecos Playmobil, em Minas Gerais, na década de 1980. O tempo passou, ele se tornou artista, e, já nos anos 2000, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde virou assistente de Vik Muniz. Sob o frescor dos primeiros anos de pesquisa artística, quando viu, estava reformulando a antiga brincadeira. Passou a criar cenas e fotografá-las, fazendo dos bonecos verdadeiros personagens, fantasiando narrativas. Em dado momento, procurou entender aqueles personagens a partir de suas estruturas, desmontando-os. Do que eram feitos? Havia a peça do cabelo, a do braço, a da boca e a dos olhos. Aos poucos, a ideia de um todo feito de partes que existem por si, mas que compõem algo maior, tornou-se fundamental para a obra de Heberth.

Há pouco tempo, realizei a curadoria de uma exposição individual do artista, na Lurixs Arte Contemporânea. Ele me contou que a desconstrução dos bonecos Playmobil – e o uso posterior de suas partes como imagens autônomas para a pintura – nasceu de uma investigação por uma espécie de DNA. Quais são os elementos daquilo que nos constitui?

Foi curioso ouvir Heberth Sobral falar de corpo, pois, na primeira vez em que eu vi seus ícones, imaginei-os estampados ou bordados em vestidos, camisas e saias. Tinham uma expressiva força de presença e uma leveza que me estimularam. Heberth gostou do que senti. Logo estávamos os dois conversando com a Sardina. Glória Marques, fundadora e diretora de estilo da marca, encantou-se com as pinturas sobre madeira, as cores vivas, os fragmentos de bonecos e começou a imaginar as tais estampas e bordados com aqueles ícones.

Essa liberdade nos conduziu à transformação. Das imagens do artista surgiram cataventos, lagostas, siris, peixes e outros elementos do mar. A pintura se moveu da superfície rígida e desaguou em roupas-obras. São peças com tiragem limitada, numeradas e assinadas pelo artista. Elas não serão encontradas à venda na loja, nem serão misturadas a outras coleções. Não há imagens repetidas. O trabalho passa por um processo cuidadoso típico do campo artístico. 

Desconheço uma colaboração de arte com moda que, no Brasil, tenha tido o tratamento cuidadoso, criativo e detalhista que vejo em Começamos brincando e, de repente, tudo virou verdade. É um trabalho feito em conjunto entre uma marca destemida e um artista talentoso, no qual os dois trabalham em diálogo com uma curadora.

As roupas da Sardina não forçam as pessoas a serem o que não são, a se adaptarem a modelos. Propõem que cada pessoa seja livre, com seus próprios critérios e intuições. Por isso, têm tudo a ver com a arte de Heberth Sobral, cuja linguagem visual é constituída de múltiplas referências. Vejo acenos a Bauhaus, ao simbolismo sincrético de Rubem Valentin, às fachadas africanas da etnia Ndebeles, todos em uma conversa original com o equilíbrio geométrico e o construtivismo russo. Brasil, África e Europa em um manejo de cores e formas semelhantes às usadas pela marca, o que fez a Sardina se perguntar: e se essa arte fosse vestida?

Penso que usar essas peças também pode ser uma investigação sobre nosso corpo. Sobre como nos sentimos vestidos com uma roupa. Sobre quem somos, o que expressamos e como nos movimentamos. Sobre quais liberdades nos permitimos e sobre quem nos transformamos.

Outras Curadorias